Agricultora segue passos da avó no café e integra aliança internacional de mulheres

“Minha esperança mais profunda é que outras pessoas possam saber mais sobre pessoas como minha avó, que tiveram um papel tão extraordinário na produção do café que bebem”, conta Daiane

A conexão de Daiane e sua família com a terra é profunda e vem de muitas gerações. No Distrito dos Ferreiras ou Ressaca, lugarejo encrustado na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, trabalhar na cafeicultura representa, praticamente, a única fonte de renda para mulheres como Daiane Vital e os demais descendentes da Vó Nita, como Dona Ana Vital era conhecida na comunidade.

É durante a colheita de café, que acontece de maio a setembro, que Daiane tem a oportunidade de aumentar a renda familiar. A “panha” é uma atividade que emprega muitas mulheres. É quando conseguem ganhar o dinheiro para fazer uma melhoria na casa, comprar um móvel ou um fogão melhor e, neste ano, pela primeira vez na vida, ter o direito de viajar em férias com a família. Foram três dias numa pousada em Ubatuba para realizar o sonho de conhecer o mar. As passagens, Daiane comprou com o que rendeu a venda de três sacas de café recolhidas com muito esforço.

Nascida e crescida na zona rural, Daiane, 37 anos, casou-se aos 13 – na igreja e no civil, diz orgulhosa – e aos 14 anos já tinha seu primeiro filho, Hugo, que nasceu com fenda palatina no lábio. Ela e Giovane, o marido, gastaram tudo que tinham e até fizeram dívidas para operar o filho que hoje, aos 22 anos, trabalha com os pais também na colheita de café nas fazendas da região, repetindo o que seus antepassados sempre fizeram. Além de Hugo, o casal tem duas filhas, Yara, hoje com 20 anos, e Yonda, com 18. Amam o café, as lavouras e querem continuar estudando para terem mais oportunidades de trabalho no setor que une a família.

Desde que Daiane nasceu, sua vida gira em torno do café. Quando criança vivia atrás da Vó Nita com quem aprendeu a prática da “varrição”, ou seja, recolher os grãos caídos no chão, importante prática que visa controlar pragas e doenças como a broca do cafeeiro. Este é um trabalho duro, mas que rende também um recurso extra muito esperado pois uma vez beneficiado, esse refugo de café, ainda tem valor comercial.

Fora do período da colheita, Daiane ainda trabalha no plantio de mudas, a “desbrota”, entre outras atividades complementares da lavoura de café, que são alternativas de trabalho que reforçam o orçamento doméstico. 

“Trabalhamos por muitas gerações em fazendas de café na região. Minha mãe aprendeu com minha avó, que aprendeu com a mãe dela. Foi minha avó quem me ensinou a trabalhar no café transmitindo o que ela aprendeu nas plantações, trabalhando silenciosamente, para os outros, a vida toda. Para mim, gente lutadora como minha avó foi muito importante para a lavoura do café, aqui na região, tanto quanto os donos de grandes propriedades cujos nomes ainda existem hoje. Minha esperança mais profunda é que outras pessoas possam saber mais sobre pessoas como minha avó, que tiveram um papel tão extraordinário na produção do café que bebem. Minha vida é o café”, diz Daiane, que incentivada pela vó, que é seu exemplo, voltou a estudar quando a filha mais nova tinha 9 anos. Vó Nita não viveu para ver a neta concluir o ensino médio em 2014 aos 32 anos de idade.

Em 2015, Daiane conheceu a Aliança Internacional das Mulheres do Café – IWCA Brasil. Até então, Daiane e demais afrodescendentes que trabalhavam com café em sua comunidade se descreviam como “invisíveis”. Por mais que se dedicassem à produção do item que traz riqueza para a região, levavam uma vida de isolamento – careciam de reconhecimento. Agora ela interage com outras mulheres que trabalham com café em outras regiões e até em outros países. Desde que ingressou na organização, ela começou a viajar para conferências e seminários sobre café em Belo Horizonte, e até foi de avião a Brasília para um encontro de mulheres, no início do ano!

Animada, este ano, combinou com o irmão de plantar uns pés de café num pequeno pedaço de terra que ele adquiriu. Apesar da geada que atingiu drasticamente a pequena lavoura, Daiane não perdeu a esperança.

A fé na vida e o amor ao café foram as grandes heranças deixadas pela Vó Nita junto a valores como trabalho e honestidade. Seu maior sonho, diz Daiane, é ajudar outras mulheres que trabalham no café a se tornarem mais visíveis, como ela mesma se tornou pelo conhecimento maior de sua própria identidade e a valorização da memória da avó.

Apesar de trabalhar duro nas lavouras, Daiane encontra tempo para realizar trabalhos voluntários com as crianças da comunidade. Ela ainda pretende cursar Pedagogia para cumprir a promessa feita à Vó Nita de que, um dia, iria fazer uma faculdade.   

Ultimamente, Daiane vem também desenvolvendo uma pesquisa para conhecer melhor a história e as pessoas do lugar em que nasceu e vive. Descobriu um muro de pedra conhecido como o “muro dos escravos”. Intuitiva, logo descobriu a importância histórica do vestígio. Empolgada com o achado, entrevistou o Seu Benito, morador antigo do lugar, e, agora, quer contar suas descobertas, compartilhar o passado de sua gente, com orgulho e admiração.

Texto: Josiane Cotrim Macieira

Fonte: agricultura.gov.br